Eu jurei por Deus não morrer por amor

A gente passou a tarde ouvindo o vento rugir lá fora como se fosse um dia de inverno no verão. Não tinha nem sol. Eu fechei você dentro de casa pra não correr o risco de que teus raios fossem pra fora. Você é meu sol. Lembra? Só pode iluminar a mim. Te tranquei para caso de você sentir vontade de ir embora, ter que me pedir aonde guardo as chaves.
E bom, você esquentou meus pés enquanto eu comparava o quanto a gente já tá velho porque a novela das seis tá repetindo a trilha sonora de outras duas novelas passadas. E a gente já viu as três. Melhor, tá na terceira. E eu continuo adorando quando você me chama do sono pra dizer 'acorda, é a hora do beijo'.
Você não pediu sexo. Nem mesmo pediu cafuné. Não pediu nada que eu pudesse recusar -mesmo que isso fosse impossível-. Só pediu pra destrancar as portas e ficar ali pra sempre. Como não tenho coragem de te deixar só nem por um instante, te levo junto pra cumprir a tarefa já que você quase reclama de dor nas costas. É tão educado que diz isso pedindo o violão porque sentiu vontade de tocar pra mim. E sabe que eu sei que era dor nas costas. Afinal eu também sentia. Mas eu poderia dormir a vida inteira com o joelho encostado na cara se fosse preciso. Só pra ficar ao seu lado.
Aí você toca whatever enquanto eu tenho orgasmos múltiplos com a sua atuação e sinto vontade de te beijar as costas, os dedos, os olhos. Nada no mundo pode ser mais lindo que você. Até eu fico bonita do seu lado. Acho que é isso mesmo que o sol faz. Radia.
Então você pediu onde estava o aparelho de pôr na tomada com veneno pra mosquito. Contou 5 cravos e misturou numa poção de erva doce e canela. Nosso incenso. Gostava também de quando você colocava camomila e dizia que eu já podia acalmar os nervos porque tinha um punhado de mini-margaridas pra assar na tomada.
Lá no fundo do meu eu, eu já sabia que você não queria voltar pra -sua- casa. Então eu ofereço um café e espero que a cheleira comece a chiar pra pôr a água na minha xícara. Eu prefiro morno, você gosta mais de quente. E eu viro as costas por um segundo pra pegar o pote de açúcar enquanto você espera a água esquentar mais um pouco. E é só estar de volta pra encontrar a chaleira fervendo e jogando toda a água do seu café na parede que sofre uma chuva liquefeita. A sua xícara não saiu de cima da mesa. Nada mais poderia me doer os olhos do que eu ali parada com o café frio e você com a xícara vazia.
Eu queria que você pudesse ler esse texto sabendo que eu escrevi da mesma forma que escreve. Porque eu olho pro nada e lembro você. Mordo a caneta, lembro você. Olho pro papel. Lembro você. Só faltou a parte que você coloca o dedo indicador sobre o nariz pra empurrar óculos e franze a testa e esquece o que escreveu e aproxima o rosto do papel quando não consegue enxergar direito por causa da miopia.
Eu não posso dar ênfase num 'você foi embora'. Você nem se quer esteve aqui. Dentre tantos meus namorados imaginários, você foi o mais fiel.
E meu preferido.